terça-feira, janeiro 30, 2007

Fim de batalha


Acabo de receber uma ligação. Do outro lado, uma voz embargada, interrompida, comovida pela notícia de que, finalmente, a batalha havia chegado ao fim. Depois de meses, seu nome estava na lista, sinalizando mudanças no seu dia-a-dia, na sua auto-estima, nas suas companhias.

Antes disso, a solidão foi sua grande companheira. A inércia tomou conta de seus membros. O desânimo fatigou sua mente. A possibilidade de fracasso permeava seus dias: congelando seus pensamentos, assustando seus sonhos, alterando seu humor.

Aprisionou-se em seu mundo. Medicou-se de doses homeopáticas de bem-estar. Ora consultava a Matemática para entender a lógica de tudo aquilo. Por vezes, buscou a Química, a Física e a Biologia: sem sucesso. Refugiou-se nos “Democráticos”, na “Comuna do Semente” e, enfim, sambou em seus problemas.

Subestimando seu potencial, apostou na sorte. Camuflando suas cobranças pessoais, inconscientemente, deixou fluir seus conhecimentos. Nas questões colocadas à sua frente, marcou o “X” correto. E sobreviveu à tempestade de percalços colocados sobre seu caminho.

Como um soldado que voltou da guerra, regressou pra casa aos farrapos, mas convicta de que era necessário percorrer aquela estrada.


Monique Mendes


*Texto em homenagem à minha amiga Mariana Dias

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Esconderijo


Entre a sombra da luz e a claridade do papel há uma infinidade de pensamentos. O silêncio, arauto de meu borbulhar cerebral, ecoa apenas conjecturas íntimas, permitindo caprichos da imaginação ou alucinações da realidade, fazendo de mim ora alvo, ora seta.


Com a tinta, busco decodificar siglas submersas e caracteres das entranhas que se escondem dos olhares curiosos, inclusive de mim mesma, por vezes. A caneta atua como chave da mala do viver, registrando experiências, burilando reflexões e aperfeiçoando reações nas trilhas escolhidas como destino.


No suplício, embebedo-me com a cafeína, buscando na borra do café saídas para as dúvidas mais intrigantes. E, depois de jorrar palavras sobre a fibra, fecho meus manuscritos, fazendo deles apenas recordações de qualquer alteração feminina de humor.


Monique Mendes

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Vitrines de terror



Interessante a produção de filmes-denúncia que exponham, detalhadamente, a carnificina desarrazoada por anéis de brilhantes, alianças de ouro ou por camafeus com a silhueta do(a) amado(a).

Pior, quando esses acessórios unem relacionamentos fugazes. Quando, por qualquer chilique, jogamos alianças ao ar, sendo essas fruto de muito peneirar mineral, de muito suor sanguinolento.

Apesar de tão claros, brilhantes e encantadores nas vitrines das lojas, diamantes possuem uma logística negra e obscura. Negra na cor, na raça oprimida. Obscura a senha do exterior, da conta carcomida.

O conhecimento de vidas à mercê de um esquema mercenário-megalomaníaco faz nossos trancelins pesarem em nossos pescoços. Porém, o saber traz à tona a chance que se tem para transformar os consumidores que, sob um novo olhar, verão nos manequins das joalherias talvez a representatividade do esquema cadavérico-degolador de vidas africanas.

Para tanto, não basta sairmos impressionados do cinema com a mais nova super-produção norte-americana. Tampouco freqüentarmos uma joalheria diferente. Nem acharmos que isso só acontece com diamantes. Na verdade, nem sei mais o que é suficiente...

Monique Mendes

*Comentário sobre o filme "Diamante de sangue", do diretor Edward Zwick.

terça-feira, janeiro 16, 2007

Negligentia


Uma sala vazia em pleno horário comercial.
O ambiente apenas exala perfumes custosos, de alto escalão.
Situação comum não só em Recife, João Pessoa e Natal
Mas no Rio de Janeiro, São Paulo e Maranhão.

No canto, histórias que se acumulam em papeladas sem fim.
Sem atenção.
Confusos enigmas, muitos participantes, uma só decisão.
Talvez a solução.

Entretanto, o branco amarelou.
A fibra do papel esfarelou.
A história, por descuido, desencadeou.
O desespero continuou.
O pagamento, não se efetuou.
Simplesmente porque a caneta não assinou.

Os autores, assassinados pelo descaso.
Os réus, favorecidos pela impunidade.
Só porque a autoridade chegou no trabalho tarde.

Monique Mendes

sábado, janeiro 06, 2007

Trajetória


Percorro caminhos solitariamente, sem apegos.
Danço tangos e boleros em salões vazios.
Respiro ares do acaso.
Escuto músicas que parecem de minha autoria.
Inebrio-me com a volatilidade do etanol.
Descubro-me, paulatimanente, nas entrelinhas do mistério.

Peço trégua às companhias permanentes.
Ao amor avassalador, tão necessário.
Cortejo olhares insinuantes e perfurantes.
Entrego-me a vontades inesperadas, a ímpetos apressados.
Vivo o cheio fugaz e
Desejo, momentaneamente, atores coadjuvantes.

Quando a mochila da vida torna-se pesada
Homeopaticamente, a solidão ecoa novos signos de ar
O tempo massageia a dor lombar
E, quando não há mais máculas nos músculos dorsais,
Estoura um livre recomeçar.

Monique Mendes