domingo, dezembro 24, 2006

Genero$o velhinho

Admito que acreditei em Papai Noel por muitos anos, que escrevi muitas cartinhas para ele e que coloquei muitos sapatinhos na janela à sua espera. Seu trenó voador, seu saco abarrotado de presentes e suas renas encantadas davam um ar mágico ao cenário natalino. Além disso, sua disposição para visitar chaminé por chaminé e sua obscuridade ao fazer um ato tão generoso às escondidas da madrugada, eram sintomas de sua humildade e do seu presentear despretencioso.

Contudo, quando crescemos, verificamos o quão ingênua pode ser a imaginação de uma criança. A imagem daquele velho bonzinho que, mesmo gordinho, saia de sua casa do Pólo Norte para visitar todos aqueles merecedores de presentes, cai por terra. Por vezes, inclusive, sinto repugnância por esse símbolo balofo que nos estimula a dar presentes casuais e a engordar a conta dos grandes empresários.

No decorrer do anos, verifico a tendência de que a apologia à vida suscitada pelo Natal foi sobrepujada pelo atabalhoado consumismo dos “shopping centers”. Esqueceram-se da cristandade da noite natalina, do seu espírito de renovação. Escapou-se da memória dos mortais a simplicidade do nascimento do menino Jesus, do amor entre os seres humanos. Pensa-se apenas em presentes, presentes e mais presentes.

Por isso, nesta data, deixe a fábrica de brinquedos de Papai Noel de lado. Incorpore o cenário presepial, com sua simplicidade de objetos e riqueza de espírito. O que se tem a comemorar, afinal, é a essência que nos nutre no decorrer dos dias, a vida que corre por nossas veias e o amor que tudo faz curar. Abandonemos um pouco a lenda de um generoso velhinho, com seu hipnotizante saco de brinquedos, dizendo-nos nas entrelinhas “compre, compre, compre”.

Monique Mendes

terça-feira, dezembro 19, 2006

Malu Mulher - pensamentos íntimos

Brasil, fim dos anos 70. A exibição ousada, em 10 episódios, de um novo perfil feminino - Maria Lúcia - uma socióloga cheia de opiniões, independente, motorizada, partidária da esquerda socialista brasileira, separada. Uma Chiquinha Gonzaga dos tempos modernos: um símbolo de vanguarda temido pelos homens, uma ameaça às mulheres machistas, um estímulo às feministas emergentes.

O seriado “Malu Mulher” trata de maneira extremamente transparente temas sobre as dificuldades das mulheres de seu tempo: virgindade, desquite, pílula anticoncepcional, aborto, infidelidade, maus-tratos. Estreado pelo episódio-jargão “Acabou-se o que era doce”, é notório, no decorrer dos capítulos, o embate do patriarcalismo europeu herdado pelo sistema latifundiário implantado em nosso país com a democratização da ciência e a expansão do ensino na era da modernidade que, trazia consigo, a emancipação feminina contra as amarras da ignorância e da reclusão.

Apesar dos precários recursos, fascinaram-me a divulgação em linguagem simples e a caracterização de uma época pretérita, da qual não fiz parte. Os acessórios utilizados pelos artistas, como óculos retrô, blusa de botões jeans, calça semi-beggy, compunham um panorama “brega” numa década ainda impregnada de machismos e desmandos, mas em que a radiola de vinil já ecoava o burburinho de mudanças. Cenário realmente encantador e progressista.

Entretanto, ao termo dessa manifestação artístico-social, mister foi observar como nosso panorana “século XXI” nos traz a sensação falaciosa de desenvolvimento. Os temas ali tratados, depois de quase 40 anos, pouco mudaram: a virgindade ainda é tabu, a pílula anticoncepcional ainda é repudiada pela igreja, a lei ainda condena o aborto, a infidelidade ainda é coisa de homem e o adultério deixou de ser crime ano passado.

O progresso humanístico, confundido com o desenvolvimento científico-tecnológico e com moda cibernética, ludibria aqueles que acreditam existir igualdade entre os sexos na atualidade. Diante de tal reflexão, penso que, porventura, fosse melhor se ainda usássemos a semi-beggy, mas não tivéssemos baixado o volume do burburinho de mudanças de nossas radiolas...

Monique Mendes
PS: Na época de exibição do seriado, foram reproduzidos 79 episódios, dos quais só tive o prazer de assitir a 10, com o lançamento do dvd. =}

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Bulufas para Descartes

Juro que creio no livre-arbítrio. Reputo verdadeiro sermos donos de nossos destinos, mas reconheço que, por vezes, surpreendo-me com a orientação autônoma, com o percurso ocasional e aparentemente ilógico que a vida, naturalmente, manisfesta.

Quando nos sentimos perdidos, parece que o tempo nos traz a experiência que precisávamos. O vento sopra o calor de sentimentos que não mais sentíamos. Novos convívios retomam a ingenuidade colorida, certa vez assassinada pelo retrato preto e branco do passado.

Essa coincidência dos acontecimentos, essa falta de explicação cósmica que nos persegue acalenta a indefinição de nossas buscas, a necessidade de termos escolhas a fazer. Talvez seja apenas uma abstração ou um argumento pouco racional para os que buscam explicação para tudo. Prefiro aderir ao relativismo dos sofistas. Bulufas para Descartes com seu dogmatismo e sua verdade absoluta.

E, vejo lógica no que acredito, pois se o pretérito tornou-se obsoleto em nossos corações, inexplicáveis sinais nos auxiliarão, inconscientemente, para que o deixemos em nossos secretos álbuns de recordações.

Monique Mendes

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Cantiga da vida

Os raios de sol refletem a beleza das paisagens em águas paradas,
o rosto encantado da menina que toca a superfície,
o beijo dos amantes nas profundezas dos líquidos orgânicos armazenados pela terra.
A claridade evidencia a beleza dos olhares,
dos tons das peles,
das palhas dos coqueiros.
O toque quente enfurece a areia,
ativa a libido,
traz as secreções à flor da pele.
De repente, um ar fresco suaviza os cabelos, cumula os pulmões, intumesce a alma.
Ao fundo, o azul ofusca o branco das nuvens passageiras,
sustenta as aves em seu cenário natural e
traz a sensação de paz.
Nesses dias, escutamos a música da vida
E percebemos que ela é mais suave do que um coração fazendo
bum-bum.
Monique Mendes

terça-feira, dezembro 05, 2006

Dilemas cotidianos

A dúvida sobre qual caminho percorrer, por vezes, nos faz retroceder ou acelerar demais. A busca incessante por novas oportunidades de trabalho, novos amores, novos planos, constantemente, nos faz agir impulsivamente ou desistir cautelosamente. E, na hora de tomar decisões, nada de certezas.

Nos momentos de impulsividade, parece que subitamente vislumbramos uma estrada bifurcada a poucos metros de distância, quando estávamos a uma velocidade acima do permitido. Estonteados, verificamos que o ponteiro do velocímetro da impulsão supera o limite de nossos sentimentos. Mas os freios não respondem mais. Batemos no medo e capotamos em arrependimentos.

Nos momentos de antecipação, por cautela, a ansiedade estremece qualquer atitude, a insegurança asfixia as reações e o conformismo formula explicações inverossímeis para tranqüilizar a nossa consciência. Vegetamos no desânimo e impedimos a naturalidade dos acontecimentos. Antecipamo-nos ao amanhã sem nada saber se nele virá sol ou chuva. Não temos nem o cuidado de ver a previsão do tempo, esperar as mudanças, as possibilidades. Boicotamos o possivelmente possível. E, depois de ter recuado, a chance desfila festejando seu fracasso.
Monique Mendes

domingo, dezembro 03, 2006

Yoga do silêncio

Tem dias que quero calar.
Quero calar para não falar, ou deixar de falar para confundir. Ou não me confundir. Ou apenas preferir driblar o som pronunciado pelas bocas, sorridentes ou tortas. Inclusive a minha, que tenta sobreviver às tortuosidades típicas das falsidades. Busco as palavras, mas elas saem desconectadas. Ou precisas demais para serem descobertas. Inspiro-me no branco, pois ele reflete todas as cores e pode me mostrar caminhos. Muitas opções. Talvez o preto, com seu tom de precisão, traga o que eu preciso. Ou somente as cores fortes do arco-íris já tragam a medida certa. Ele será meu remédio! Mas talvez o arco-íris seja uma overdose, ou uma microdosagem, considerando-se que pode ser comprimido. Mas a dosagem certa deve ter virado convenção. Ou mera suposição. Suponho que essas letras dizem tudo, mas o que penso não tem tantos caracteres. Parece idéia fixa. Ou será que alguns estão no escuro dos meus pensamentos? Viraram traços perdidos no papel. Mas japonês não vai entender. Queria uma linguagem universal. Os gestos. Mas eles não conseguiriam expressar o que me toma. Por ser grande. Ou por ser pequeno demais. Ou talvez por ser insignificante em seu sentido, ou significante demais para ser dito.
Por mim, para você.

Monique Mendes

Ano MMVI

Escrevendo a data de hoje no papel, voltei aos tempos da infância. Não simplesmente por constatar que o tempo realmente passou – e rápido -, mas porque, naquelas ocasiões, escutei que o ano de 2006 talvez não chegaria a existir.

As declarações epocalípticas, segundo os falatórios, descreviam geleiras descongelando, ondas enormes inundando cidades, fogo tomando conta de florestas e plantações, homens dizendo-se ser Jesus Cristo, bombas que transformariam nosso querido planeta água em chuvisco.

Escutando aquelas previsões, tudo se enchia de mistério, de imprevisibilidade. Calculava minha futura idade na cabeça e constatava que só viveria 21 anos. O medo tomava conta de mim, pois as histórias tinham sido interpretadas por passagens da Bíblia, não de um livro qualquer, criado por qualquer mortal.

Cá comigo pensava: não viajaria o mundo todo, não teria netos quiçá nem filhos, não teria a chance de ver meu reflexo enrugado nem meus cabelos brancos no espelho. A morte tinha data marcada para todos nós. Talvez hora também, mas detalhes sobre o assunto nem quis saber. Escolhi usar o ceticismo como meu aliado e o tempo como remédio homeopático para o esquecimento.

E graças à má contagem dos interpretadores epocalípticos, estamos aqui. Mas o medo me toma novamente: os falatórios estão se tornando notícias de jornal!

Pra que fui escrever 2006 hoje no caderno?
Monique Mendes

Dia nacional do samba

Intelectuais têm o costume de saber o dia nacional de tudo.
Os que se esforçam para ser intelectual se angustiam com tantas datas.
E os “nem aí pra nada” pouco sabem a data de hoje.

Ontem foi o dia nacional do samba. Você sabia disso?
Eu não sabia! Fui saber hoje, mas nem sei o dia de ontem.
Certamente muitos intelectuais devem ter comemorado o dia com o samba no pé.
Para eles, nada como sambar no dia nacional do samba.
E, assim, serei uma “nem aí” num mundo que você tem que estar “bem aí”.
Pouco importa!
Meu samba no meu pé não precisa de dia especial para fluir.
Para ele, todo dia é samba.

Monique Mendes