quarta-feira, abril 18, 2007

Sentença mortal do pensamento

Ultimamente, o lema da juventude tem sido “cabeça vazia,oficina do diabo”. Analisando essa máxima, que expressa uma sentença moral, suponho, baseando-me na atitude popular, que esse provérbio deva ter surgido juntamente com a ideologia burguesa-capitalista e, não despretenciosamente, de inúmeros inferninhos que o excesso do ócio deva ter provocado nos relacionamentos humanos a ponto de torná-lo ditado popular.

Da cama pro trabalho, do trabalho pra universidade, da universidade pro cursinho, do cursinho pra academia, da academia pra cama novamente. E, quando nos deitamos, nem cinco minutos de reflexão, e já estamos babando em nossos travesseiros em sono profundo. Assim, não há tempo para ler um bom livro, escrever bons textos, discutir política, disseminar ideologias, questionar a realidade, mesmo que ela massacre todos os dias.

A quantidade de informações que nos é oferecida dia-a-dia ainda ratifica tal adágio. A falácia de que entendemos sobre diversos assuntos, sempre superficialmente, nos dá a sensação de aprendizado multifacetário, de competência, mas pouco do que lemos torna-se pensamento degustado, sólido, desenvolvido. Assim, não se criam novas ideologias, nem se reflete sobre a aplicabilidade das já existentes.

Desse modo, penso que talvez o homem contemporâneo, com seu pensamento pouco desenvolvido, tenha minorado a capacidade conceitual de tal ditado popular traduzindo-o apenas como “ocupe-se, senão serás um zé ninguém”, abandonando definitivamente a possibilidade do ócio arejar suas idéias para deixar de ser refém do uso exacerbado do Crtl C + Crtl V.

Monique Mendes

terça-feira, abril 17, 2007

Formalismo de guerra, informalismo de paz

Ao ler o Código Civil, mesmo depois de diversas reformas, deparo-me com algumas anomalias ininteligíveis, impressiono-me com a sua burocracia desarrazoada. Por outro lado, tento compreender que os legisladores buscam regulamentar os diversos aspectos da vida humana para termos normas que tutelem nossos direitos. Mas, o que não compreendo, é a necessidade do formalismo como tratam as relações humanas que têm, em seu bojo, o informalismo.

Por exemplo, por que criar normas sobre “emancebados” se assim o são por não acharem necessário todo o fadigável formalismo do casamento para viverem juntos? Entretanto, com o crescimento da mancebia no Brasil, lá vem o legislador denominá–la de união estável, adaptar cônjuge por companheiro, substituir pacto antenupcial por pacto de convivência e, ainda, para igualar a problemática contratual, inserir regime de bens.

Desse modo, todo o informalismo que se buscava pelo simples ato de “juntar os trapos”, deixando o amor reger o relacionamento e administrar o tempo cai por terra, transformando tudo num contrato apenas de nome diferenciado.

Daqui a pouco, os que antes fugiam da burocracia do casamento, fugirão também da união estável, pois sempre haverá um brasileiro que buscará um meio de burlar o formalismo regulado nos códigos para viver em seu informalismo de paz.

Monique Mendes

segunda-feira, abril 16, 2007

Antinatural

A luminosidade da cidade ludibria a natureza da escuridão do céu, a excentricidade da órbita astral, a pureza da cor selênica. Luzes amarelas estáticas, alinhadas, criptografadas pelas ruas, avenidas, becos e esquinas estruturam um vasto formigueiro turbulento, barulhento, violento. E escondem o baixo sibilar das cobras, o coaxar dos sapos, o estridular das cigarras.

Os decibéis dos motores automotores contagiam os nossos ouvidos, condenando-nos a sermos quase surdos. As imagens televisivas, coloridas e emitidas via satélites, nos fazem perder os vôos mais encantadores das borboletas, e os esgotos, com seu odor sulfuroso e carcomido, entopem nosso olfato de podridão, impedindo sentirmos o cheiro das flores, dos seres humanos e dos ventos que trazem novidades.

E, nesse universo, vangloriamo-nos do desenvolvimento. Desejamos mais os asfaltos e as “construções arranha-céus”, contentando-nos com as míseras quotas-partes de área verde arbitradas pela prefeitura de nossas cidades. Encangados uns aos outros e limitados por pedaços de terras amontoados, pagamos em dólar pelo desconforto, pela falta de privacidade e pelo aquecimento de nossas cidades.

Por isso, fazemos de nossos feriados um momento de resgate da natureza que existe em nós. Bastam alguns dias distantes da celeridade urbana para serem estimulados pensamentos escusos, sentimentos apartados, sensações instintivas antes perdidas. Mas também bastam 7 dias para sentirmos, através da angústia que traz o ócio, que, infelizmente, muitos de nós já se tornaram fruto da produtividade capitalista.

E, assim, nessa intriga entre resgatar a natureza dos “índios preguiçosos” que existe em nós e abandonar um sistema que ordena sermos produtivos para sermos felizes, é notória a disseminação da tristeza nas páginas dos livros, nos diários anônimos, nos bloggers e nos fotologs.

Monique Mendes


* Texto em homenagem a Atamak Pires, companheiro de aventuras e idéias, que muito me fez refletir sobre ideologias como estas expostas no texto.