
A luminosidade da cidade ludibria a natureza da escuridão do céu, a excentricidade da órbita astral, a pureza da cor selênica. Luzes amarelas estáticas, alinhadas, criptografadas pelas ruas, avenidas, becos e esquinas estruturam um vasto formigueiro turbulento, barulhento, violento. E escondem o baixo sibilar das cobras, o coaxar dos sapos, o estridular das cigarras.
Os decibéis dos motores automotores contagiam os nossos ouvidos, condenando-nos a sermos quase surdos. As imagens televisivas, coloridas e emitidas via satélites, nos fazem perder os vôos mais encantadores das borboletas, e os esgotos, com seu odor sulfuroso e carcomido, entopem nosso olfato de podridão, impedindo sentirmos o cheiro das flores, dos seres humanos e dos ventos que trazem novidades.
E, nesse universo, vangloriamo-nos do desenvolvimento. Desejamos mais os asfaltos e as “construções arranha-céus”, contentando-nos com as míseras quotas-partes de área verde arbitradas pela prefeitura de nossas cidades. Encangados uns aos outros e limitados por pedaços de terras amontoados, pagamos em dólar pelo desconforto, pela falta de privacidade e pelo aquecimento de nossas cidades.
Por isso, fazemos de nossos feriados um momento de resgate da natureza que existe em nós. Bastam alguns dias distantes da celeridade urbana para serem estimulados pensamentos escusos, sentimentos apartados, sensações instintivas antes perdidas. Mas também bastam 7 dias para sentirmos, através da angústia que traz o ócio, que, infelizmente, muitos de nós já se tornaram fruto da produtividade capitalista.
E, assim, nessa intriga entre resgatar a natureza dos “índios preguiçosos” que existe em nós e abandonar um sistema que ordena sermos produtivos para sermos felizes, é notória a disseminação da tristeza nas páginas dos livros, nos diários anônimos, nos bloggers e nos fotologs.
Monique Mendes
* Texto em homenagem a Atamak Pires, companheiro de aventuras e idéias, que muito me fez refletir sobre ideologias como estas expostas no texto.